A Reagent Collaboration Network (Reclone) é uma rede colaborativa mundial, que tem o objetivo de desenvolver e distribuir materiais biológicos para pesquisadores.
Docentes ligados ao Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) estão encabeçando o projeto de instalação do primeiro polo da Reagent Collaboration Network (Reclone) no Brasil. A Profa. Andrea Balan, do Departamento de Microbiologia do ICB-USP, e o professor visitante no Instituto Marko Hyvönen, originário da Universidade de Cambridge (Reino Unido), estão trazendo a Reclone para a USP, com o intuito de produzir e distribuir biomateriais gratuitamente para pesquisadores, laboratórios e universidades brasileiras.
Presente em mais de 50 países, a Reclone surgiu com o objetivo de possibilitar que todos os pesquisadores da área de biológicas tivessem acesso a reagentes e ferramentas a baixo custo para produzir conhecimento e inovação. “No cotidiano de um laboratório, precisamos de várias enzimas, marcadores de proteína e de DNA, porém esses materiais são caros e representam grande parte dos recursos obtidos por meio de agências de fomento”, explica Balan. A partir desse obstáculo, ela e Hyvönen uniram esforços para construir um polo da Reclone no Brasil.
Em sua vinda para São Paulo, Hyvönen trouxe a coleção de enzimas da rede e o primeiro passo da iniciativa será distribuir esse material para pesquisadores interessados. “Também vamos estabelecer a produção de enzimas-chave de biologia molecular na USP, tanto para uso na Universidade quanto para outras instituições”, conta Hyvönen. Segundo Balan, a ideia é distribuir essas enzimas em laboratórios do Brasil inteiro para que os pesquisadores tenham acesso a esse material sem custo. O projeto também irá preparar e treinar pesquisadores de diferentes instituições para que possam produzir seus próprios materiais.
Como próximos passos, o polo pretende criar protocolos para a produção de enzimas essenciais, ofertar cursos sobre como produzir esse material e distribuir kits para que laboratórios pelo Brasil possam desenvolver suas próprias enzimas a baixo custo. Balan explica que o intuito é levar os cursos e os kits para locais onde não haja ou tenha pouco financiamento. “O intuito dessa ação é promover mais pesquisas biológicas e biomédicas — tanto básicas quanto aplicadas”, acrescenta Hyvönen.
“Queremos ouvir o que as pessoas precisam em seus trabalhos e como isso pode beneficiar tanto a pesquisa quanto o ensino na USP”, afirma Hyvönen. A partir dessas trocas com os pesquisadores, eles têm o intuito de trabalhar com a rede global da Reclone para ampliar as ofertas de materiais biológicos, criando novas construções de DNA e outras ferramentas que a comunidade necessita.
O polo brasileiro também planeja contribuir regionalmente com a estrutura latino-americana da Reclone, participando de iniciativas e projetos conjuntos. Atualmente, a rede tem centros na Argentina, Chile e Peru, os quais, junto com o polo brasileiro, receberam investimentos da Iniciativa Chan Zuckerberg (CZI) para fomentar a pesquisa biomédica local. Conheça mais sobre a Rede Reclone aqui.
Enfrentando a resistência antimicrobiana – A instalação do polo da Reclone na USP é parte de uma pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio do programa São Paulo Excellence Chair (SPEC), que Balan e Hyvönen começaram a desenvolver no Brasil neste ano. A iniciativa “Caracterização estrutural e funcional de transportadores ABC de microrganismos ESKAPE: enfrentando a resistência antimicrobiana” tem o intuito de estudar a resistência antimicrobiana a múltiplas drogas e, a partir do conhecimento adquirido, desenvolver um programa mais amplo para criação de agentes antimicrobianos.
Na pesquisa, será estudado o grupo ESKAPE, que é composto por patógenos bacterianos com altos níveis de resistência antimicrobiana. O nome é um acrônimo formado pelas seis espécies de bactérias que fazem parte desse grupo: Enterococcus faecium, Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter baumannii, Pseudomonas aeruginosa e Enterobacter spp. Esses patógenos estão frequentemente associados a surtos de infecções hospitalares, representando uma ameaça à saúde pública.
O grupo ESKAPE apresenta altos níveis de resistência antimicrobiana a múltiplas drogas, devido à sua capacidade de produzir em excesso bombas de efluxo que transportam drogas e antibióticos para fora da célula, limitando a eficácia desses medicamentos contra os patógenos. As bombas de efluxo são proteínas transmembranares que reconhecem diferentes antimicrobianos e fármacos e os expulsam das células.
Durante a pesquisa, os professores planejam estudar as bombas de efluxo dos patógenos ESKAPE, com o intuito de explorar as estruturas e a função dessas proteínas, além de avaliar a capacidade de modular as atividades de efluxo por meio de pequenas moléculas. Os pesquisadores esperam que os resultados do projeto sirvam de base para o desenvolvimento de inibidores direcionados a proteínas de membrana microbianas. Em agosto deste ano, durante a vinda de Hyvonen ao Brasil, os professores farão uma apresentação sobre o Projeto Reclone para a academia.
Parceria de longa data – Durante seu período sabático da Universidade de Cambridge, Hyvönen foi convidado por Balan para desenvolver a pesquisa sobre o grupo ESKAPE. Para participar do projeto, ele será professor visitante no ICB-USP pelos próximos quatro anos. Porém, a parceria entre os docentes é de longa data.
Eles se conheceram em 2008 durante o pós-doutorado de Balan na Universidade de Cambridge e passaram a colaborar em 2010, gerando uma rede de cooperação entre suas equipes, que resultou em um intercâmbio de alunos de pós-graduação entre os dois laboratórios. Em 2017, ambos os professores ministraram na universidade inglesa um curso de Técnicas de Biofísica Aplicadas ao Estudo de Proteínas com a participação de seis alunos do grupo de Balan, além de estudantes da instituição europeia.
No mesmo ano, criaram uma disciplina para a pós-graduação do ICB, a qual aborda o problema da produção de proteínas recombinantes com o objetivo capacitar os alunos a planejarem experimentos para produzir proteínas de interesse, purificá-las e analisá-las. Atualmente, a disciplina é ofertada para alunos de Pós-Graduação do ICB e da USP todos os anos com a presença de Hyvönen, sendo também uma ação de internacionalização promovida pelo Instituto. “O curso é totalmente em inglês e os alunos também fazem apresentações nesse idioma, o que lhes dá a oportunidade de praticar em um ambiente acolhedor”, explica o professor visitante.
Ana Carolina Guerra | Acadêmica Agência de Comunicação e NUCOM-ICB