Com um estudo sobre regulação da glicemia, a pesquisadora Karoline Martins dos Santos recebeu o prêmio de melhor apresentação de trabalho científico em um evento do departamento onde ela atua na universidade.
Durante a pós-graduação, é importante ter em mente que oportunidades de estágio e formação no exterior podem surgir a qualquer momento. Captá-las é um diferencial e tanto para ampliar os horizontes da pesquisa científica. É o que aponta a experiência de Karoline Martins dos Santos, pós-graduanda de doutorado direto com bolsa FAPESP do Programa de Pós-Graduação em Fisiologia Humana do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP).
Graduada em Nutrição, Karoline está na pós-graduação desde 2017, estudando as ações da insulina no sistema nervoso central e os mecanismos que influenciam a regulação da glicemia. O conhecimento produzido sobre o tema, ao longo desses anos, lhe rendeu a oportunidade de atuar como pesquisadora convidada no Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, localizado na cidade de San Antonio, nos Estados Unidos. E em apenas quatro meses de intercâmbio, ela já ganhou um prêmio internacional, concedido pelo Departamento de Fisiologia Integrativa e Celular, onde ela atua.
Trata-se de um congresso científico que reúne todos os docentes e discentes do departamento. Nele, são apresentados trabalhos dentro de 54 linhas de pesquisa e seus avanços. Ao final, as melhores apresentações e trabalhos são premiados, sendo dois prêmios para cada categoria (graduação, pós-graduação, treinamento técnico e pós-doutorado). As avaliações são feitas com base na relevância do estudo e na capacidade de apresentar os resultados e comunicar o conhecimento. Karoline foi premiada na categoria de melhor apresentação de trabalho.
“Além de muito gratificante, ser premiada foi ótimo para minha carreira, pois sou recém-chegada e agora me tornei mais conhecida no departamento, o que pode abrir muitas portas para mim e para o laboratório do qual faço parte no ICB. Foi também uma ótima experiência de comunicação porque, como os projetos eram de áreas muito distintas, havia pessoas que não tinham noção do que se tratava minha pesquisa e é sempre um desafio explicar para quem não está inserido na discussão”, afirma a pesquisadora.
Foi justamente essa capacidade de falar para um público que não está habituado com o seu trabalho que lhe abriu as portas para estudar no exterior. “Incentivo todos a participarem de congressos e premiações, Brasil afora.”
Em abril, ela participou de um congresso no exterior, apresentando parte dos resultados da sua tese, o que chamou a atenção da professora Carie Boychuk, uma especialista na área de conhecimento do trabalho de Karoline. “Após o congresso, retomamos o contato e manifestamos interesse em estabelecer colaboração para responder algumas questões relacionadas ao projeto da Karoline, pois lá eles utilizam técnicas de vanguarda que não dispomos aqui”, conta o professor Vagner Roberto Antunes, do Laboratório de Controle Neural da Circulação do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB-USP, orientador de Karoline.
Regulação da glicemia pelo Sistema Nervoso Central — Mesmo a distância, os estudos da pós-graduanda seguem sendo coordenados por Antunes. Nesse trabalho, eles utilizam modelos animais experimentais com hipertensão arterial que apresentam disfunções no sistema nervoso autônomo (SNA) e que afetam as funções hepáticas e, consequentemente, o controle da glicemia. “Queremos entender como o sistema nervoso central controla a produção hepática de glicose, que está prejudicada em animais hipertensos”, destaca a pesquisadora.
Esses prejuízos podem estar relacionados às disfunções do SNA, que regula as funções viscerais do organismo. O sistema é composto de dois ramos, um simpático, que gera respostas à situações de estresse, promovendo aumento da frequência cardíaca, dilatação das pupilas, dentre outras, e outro parassimpático (vagal), que está diretamente envolvido no controle da homeostase orgânica por meio do controle das funções do coração, trato gastrointestinal, pulmões, fígado, entre outras.
“Classicamente o sistema nervoso simpático é conhecido como o sistema de resposta de ‘luta ou fuga’ por preparar o organismo para enfrentar situações de emergência. Já o parassimpático, atua inversamente ao simpático, gerando resposta de ‘descansar e digerir’. E, no caso do território hepático, esse sistema atua no ‘controle fino’ da produção de glicose por ação central da insulina”, explica Antunes.
O desequilíbrio desse sistema afeta diretamente as funções orgânicas e pode resultar em diversas doenças. No modelo animal de hipertensão há um significativo desequilíbrio do SNA, no qual o ramo simpático está muito mais ativado e o parassimpático reduzido, o que proporciona um aumento na pressão arterial e disfunção de diversos processos metabólicos.
No último trabalho divulgado sobre o tema, publicado no Journal of Neuroendocrinology, os pesquisadores identificaram um dos grupos de neurônios que são responsáveis por promover essa disfunção. “Descobrimos que os animais que desenvolvem hipertensão têm neurônios que se comportam de maneira diferente no controle das funções do fígado, incluindo a produção hepática de glicose. Esses neurônios estão presentes no núcleo motor dorsal do vago, no bulbo encefálico, conhecidos como neurônios vagais. Ao estimularmos seletivamente e de forma prolongada os neurônios desse núcleo, com a técnica de quimiogenética, houve reversão da disfunção na produção hepática de glicose”, detalha o professor.
Além da ferramenta de interferência gênica diretamente nos neurônios, os pesquisadores também verificaram que o exercício físico aeróbico foi capaz de reverter essa disfunção. “Todos os animais submetidos à atividade física aeróbica de corrida em esteira durante um mês tiveram revertida parte da disfunção do controle vagal na produção hepática de glicose, por ação central de insulina, além de terem seus níveis de pressão arterial reduzidos”, destaca Santos.
As falhas na regulação da glicemia acontecem com grande frequência também em humanos. Elas têm como consequências o aumento nos riscos de diabetes, hipertensão, obesidade, hiperlipidemia, aterosclerose, entre outras doenças que caracterizam a síndrome metabólica, além de ter uma correlação com a resistência à insulina e com doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer.
“O estudo desse mecanismo pode contribuir para o desenvolvimento de novas terapias farmacológicas, mas os hábitos alimentares saudáveis e a prática de atividade física são ótimos aliados para a prevenção desses distúrbios orgânicos”, finaliza Antunes.
Por Gabriel Martino | Agência Acadêmica de Comunicação