Publicada na revista científica Cell Reports, a descoberta foi resultado de um projeto Jovem Pesquisador e teve a participação de estudantes de iniciação científica com fomento da Fapesp.
24/06/2020
Representação abstrata do campo de batalha durante a competição interbacteriana. Bactérias em vermelho representam células intoxicadas por Tlde1, cercadas por bactérias imunes com morfologia normal (listras coloridas). Obra de Julia Takuno Hespanhol. (Capa da Cell Reports, 23/06/2020)
Uma equipe de pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) foi responsável pela descoberta de uma nova família de toxina bacteriana utilizada para atacar espécies competidoras. O resultado da pesquisa foi publicado na revista científica Cell Reports, sob responsabilidade da bióloga Dra. Ethel Bayer Santos, Jovem Pesquisadora do Departamento de Microbiologia. O artigo teve co-autoria de duas estudantes de iniciação científica: Stephanie Sibinelli-Sousa e Julia Takuno Hespanhol.
O membro fundador dessa nova família de toxinas é a proteína Tlde1 (type VI L,D-transpeptidase effector 1), produzida pela Salmonella – bactéria que causa infecção gastrointestinal. Essa proteína é utilizada pela Salmonella para atacar a parede celular de bactérias competidoras, induzindo sua morte. “Essa toxina contribui para eliminar as bactérias competidoras presentes na microbiota intestinal, facilitando que a Salmonella tenha acesso às células do epitélio intestinal para invadir”, explica Ethel.
Na pesquisa, o grupo também descobriu o mecanismo que possibilita à proteína Tlde1 degradar a parede celular das bactérias alvo. “Constatamos que ela ataca um dos precursores da parede celular, o que impede a competidora de sintetizar mais parede durante a divisão celular e o crescimento. Como a bactéria alvo continua crescendo, mas agora sem uma parede celular adequadamente estruturada, a membrana celular acaba rompendo com a pressão osmótica, o que leva à morte da bactéria”, explica.
Segundo a autora, as toxinas com atividade antibacteriana têm potencial antimicrobiano, ou seja, poderá ser explorada biotecnologicamente no futuro. “São toxinas que vêm sendo selecionadas pelas bactérias há milhares de anos com esse propósito; e nós podemos tirar vantagem disso”, afirma. No entanto, ainda existe um longo caminho pela frente até que isso ocorra. “Ao que tudo indica, a Tlde1 é uma toxina que evoluiu de uma proteína que fazia parte da ‘maquinaria’ da síntese da parede celular, mas que acabou se modificando”, conta. Por isso, o próximo passo da pesquisa é tentar descobrir por que Tlde1 deixou de ser uma enzima que constrói parede celular para se tornar uma toxina que inibe sua síntese.
Etapas da pesquisa – Todo o trabalho da pesquisa foi realizado in vitro. “Nós identificamos o gene fazendo a análise do genoma, depois expressamos a proteína recombinante, purificamos e foram feitos ensaios enzimáticos. Em resumo: induzimos a expressão dessa proteína na bactéria alvo e verificamos que ela adquiria outra morfologia e morria”, conta. Para comprovar a ação dessa proteína em um contexto fisiológico, o grupo promoveu uma competição entre uma bactéria selvagem e outra mutante. Ao colocá-las juntas, constataram que a mutante morria ao ser intoxicada por não ter a proteína de imunidade contra Tlde1. O que não ocorreu com a selvagem. “Isso porque toda a bactéria que apresenta toxina antibacteriana tem que expressar também o que chamamos de proteína de imunidade para se proteger contra autointoxicação.”
A pesquisa teve a colaboração de outros pesquisadores. Bioinformatas do próprio ICB realizaram análises filogenéticas, e um pesquisador do Instituto de Química da USP ajudou a purificar a proteína recombinante. Da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, veio a ajuda para realizar o ensaio enzimático que revelaram a atividade bioquímica da toxina. “Nós já temos a proteína recombinante e vamos tentar resolver a sua estrutura tridimensional em colaboração com um especialista em biologia estrutural da Universidade de Birmingham, também do Reino Unido”.
Nova geração – A pesquisa teve fomento do Programa Jovem Pesquisador da FAPESP, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Por meio dele, foram contratadas as duas alunas de iniciação científica, que acabaram tendo um papel relevante no trabalho e por isso mereceram a co-autoria no artigo. “Elas foram as primeiras alunas que recrutei e foram minhas únicas orientandas por um período, elas tiveram minha atenção exclusiva e oportunidade de realizar várias atividades no laboratório”, conta Bayer-Santos.
Na época que a pesquisa foi iniciada, em 2018, Stephanie e Julia tinham, respectivamente, 21 e 19 anos. Ambas cursavam graduação em biologia no Instituto de Biociências da USP. Stephanie já tinha feito estágio em um laboratório, mas para Julia era a primeira experiência. “Na graduação, nós aprendemos a teoria; no laboratório, você coloca em prática. Tem que planejar experimentos, fazer pesquisa bibliográfica, integrar todas essas habilidades e informações e produzir algo novo. Eu aprendi a fazer tudo isso lá”, relata Julia.
“Eu gostei muito de fazer a minha iniciação científica com uma pesquisadora jovem, que ainda não tem muitos orientandos e pode dar mais atenção aos seus alunos. Fez uma diferença enorme. A Ethel conseguiu acompanhar todos os meus passos no laboratório, isso deu confiança para que eu construísse mais independência”, acrescenta Stephanie.
Atualmente, Stephanie está fazendo mestrado tendo a Dra. Ethel como orientadora. Já Julia teve sua iniciação científica prorrogada.
O trabalho foi destaque na capa da revista Cell Reports e pode ser acessado aqui.
Por: Aline Tavares | Acadêmica Agência de Comunicação
Bruna Anielle | ICB-USP