Entre em Contato
Pesquisa indica que desmame precoce pode causar predisposição para complicações gástricas

Estudo do Instituto de Ciências Biomédicas da USP feito em animais revela que parar de mamar mais cedo que o indicado pode acarretar mudanças permanentes no estômago, as quais aumentariam as chances de lesões no órgão.


01//07/2020

 

Cientistas do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) descobriram que o desmame precoce pode causar uma predisposição a doenças gástricas, de acordo com testes realizados em animais. A pesquisa foi coordenada pela professora Patrícia Gama, do Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento, que trabalha com efeitos do desmame precoce no estômago e intestino há 31 anos.

 

Foram comparados dois grupos de ratos, um que mamou normalmente e outro que teve o leite materno substituído por outro tipo de alimento aos 15 dias de vida – o que equivale a menos de 4 meses em humanos. Os pesquisadores analisaram as células dos estômagos dos animais – as que produzem muco para proteger a superfície do estômago, as que produzem ácido e as responsáveis pela produção de pepsina, uma enzima importante para a digestão de proteínas.

 

Normalmente, o desmame ocorre entre 18 e 22 dias de vida do animal, e nesse momento os genes que regulam a diferenciação das células do estômago têm a expressão aumentada. “É o corpo preparando todos os seus genes para um organismo que passará a ter uma alimentação normal”, explica Gama. No entanto, no caso do grupo de desmame precoce, a expressão de um dos genes – ATP4B, que induz a produção do ácido no estômago – continuou alta mesmo nos adultos. “Observamos também o produto desse gene: nos 18 dias a proteína também aumentou, mas nos 60 dias isso não acontece mais. Ou seja, já existe algum mecanismo entre o gene e a proteína que faz com que a proteína se module”.

 

A expressão aumentada deste gene na vida adulta pode fazer com que o animal produza mais ácido que o normal em situações de estresse ou durante um quadro infeccioso no estômago. Isso poderia levar a ulcerações, o que já foi documentado em estudos antigos usados como referência no artigo. “Nós trabalhamos com esse modelo há muito tempo e nunca encontramos ulcerações. No entanto, em termos de ambiente, se esse animal for exposto a estresse ou a uma infecção como pela bactéria H. pylori, principal causadora das úlceras, é possível que ele desenvolva uma resposta exacerbada”, diz a pesquisadora.

 

Outra mudança foi encontrada no gene relacionado à produção de muco. Nos animais adultos que começaram a se alimentar mais cedo, a produção deste gene ficou menor do que o normal, o que pode significar uma menor proteção da parede do estômago. Também houve uma alteração no número de células produtoras de pepsina, as quais ficam em número maior desde a fase de filhote até a vida adulta. “O grande problema dessas células é que, em uma situação de lesão, elas podem dar origem a uma metaplasia, ou seja, um tumor. A nossa hipótese é que os animais que passaram pelo desmame precoce sejam mais suscetíveis a esse quadro”.

 

Para aprofundar essas descobertas, o próximo passo será analisar como os modelos animais desmamados precocemente respondem a um estímulo, a uma lesão na mucosa gástrica. “Também pretendemos correlacionar os dados epidemiológicos e buscar um marcador para detectar nas crianças e nos adultos que tipo de mudança eles podem ter no trato gastrointestinal por conta do desmame precoce”.

 

A pesquisadora Patrícia Gama chama atenção para a questão da amamentação e lembra que seis meses é o tempo mínimo recomendado de alimentação com leite materno ou fórmula, podendo se estender até os dois anos de idade. “A discussão é muito voltada para a função imunológica, mas na verdade o leite é a fonte de todas as moléculas que o bebê precisa para crescer bem e desempenhar várias outras funções do organismo”.

 

 

Por: Aline Tavares | Acadêmica Agência de Comunicação
Bruna Anielle | ICB-USP