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Período pós-natal é importante para a qualidade da microbiota intestinal e para o prognóstico da hipertensão arterial, revela pesquisa do ICB-USP

O estudo também mostrou que animais com predisposição para hipertensão arterial já apresentam desequilíbrio na microbiota intestinal antes do desenvolvimento da doença.


Pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) demonstrou a relação do período pós-gestacional, que compreende a amamentação, com a microbiota intestinal e a hipertensão arterial. O estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e realizado durante o doutorado da biomédica Patrizia Dardi, com orientação da professora Luciana Venturini Rossoni. 
 

A pesquisa revela que ratos com predisposição genética para hipertensão arterial (SHR), quando amamentados por fêmeas com pressão arterial normal (normotensas), apresentam níveis de pressão arterial mais baixos na vida adulta em comparação aos SHR que foram amamentados por suas próprias mães hipertensas. Esse resultado reforça a importância do período pós-natal — especialmente o ambiente da amamentação — na formação da saúde cardiovascular futura.
 

Além disso, o estudo descobriu que os SHR já apresentam alterações na microbiota desde as primeiras semanas de vida, quando ainda são normotensos. Essa característica sugere que as mudanças na qualidade da microbiota precedem o desenvolvimento da hipertensão arterial, e indica que o período de amamentação é uma importante janela para a prevenção e/ou redução da elevação dos níveis de pressão arterial, contribuindo para a melhora do prognóstico dessa condição nos adultos.
 

Para avaliar a participação do período pós-gestacional sobre a estrutura, composição e função da microbiota, assim como nos valores de pressão arterial desenvolvidos, as pesquisadoras analisaram ratos controle (Wistar) e SHR submetidos a um protocolo chamado de “amamentação cruzada”. Nesse protocolo, os filhotes eram retirados de suas mães biológicas horas após o nascimento. As ninhadas provenientes das mães hipertensas eram realocadas para serem amamentadas por mães normotensas, enquanto as mães SHR receberiam os filhotes Wistar para amamentar (Imagem 1). Essa troca era mantida por todo o período de amamentação que, em ratos, leva 21 dias. Junto a esses dois grupos experimentais, o trabalho também contava com animais Wistar e SHR amamentados por suas próprias mães, que seriam os grupos controle, para demonstrar como o período pós-gestacional de cada linhagem estudada afetaria a microbiota dos filhotes e o desenvolvimento da hipertensão arterial durante seu crescimento. 

 

Imagem 1: Amamentação cruzada.

 

A pesquisa acompanhou os animais ao longo dos primeiros seis meses de vida, quando atingem a vida adulta, e detectou que os ratos hipertensos que foram amamentados na infância por fêmeas normotensas (mães de leite) apresentavam a pressão arterial 10 mmHg menor que os animais hipertensos amamentados por suas mães biológicas hipertensas, o que equivale a um valor 5% menor. “Essa queda não significa que o animal terá a pressão arterial no mesmo nível do grupo normotenso, ele ainda é hipertenso; porém, existem dados na literatura, em humanos, que apontam que uma queda de 10 mmHg na pressão arterial diminui o risco de lesão dos órgãos-alvo como o coração, rim, retina, dentre outros”, explica Rossoni.

 

Microbiota intestinal

Também foi analisada a microbiota intestinal dos ratos em suas primeiras semanas de vida, quando todos os grupos ainda eram normotensos (seis semanas). Os animais com predisposição para hipertensão arterial amamentados por mães de leite normotensas apresentaram uma melhora na “qualidade” da microbiota, que ficou mais parecida com a do grupo controle. 
 

Segundo Dardi, a microbiota é composta por grupos de microrganismos de maior e de menor abundância. O grupo de maior abundância, que é o mais avaliado em trabalhos da área, tende a ser semelhante em hipertensos e normotensos. A diferença foi notada no grupo de menor abundância, que apesar de não apresentar aumento da diversidade dos gêneros bacterianos, demonstrou um “refinamento” desses gêneros, aproximando a constituição da microbiota dos SHR amamentados por fêmeas normotensas daquela caracterizada nos filhotes normotensos controle, amamentados por suas próprias mães.
 

Os ratos normotensos amamentados por mães hipertensas também apresentaram mudanças na qualidade e função da microbiota, que se tornou uma mistura entre a microbiota da mãe biológica, que gestou o filhote, e da mãe de leite hipertensa. Porém, de forma interessante, na vida adulta esses animais não tiveram qualquer mudança dos níveis de pressão arterial, mostrando que o desenvolvimento da hipertensão arterial não depende exclusivamente de mudanças da microbiota e reafirmando a participação de vários fatores no surgimento dessa condição. As pesquisadoras planejam dar seguimento à pesquisa estudando quais são as consequências dessa alteração na microbiota nestes animais normotensos, agora verificando os órgãos-alvo envolvidos no controle da pressão arterial. 

 

A diferença da microbiota dos SHR que não passaram pelo protocolo de amamentação cruzada em relação ao grupo normotenso (Wistar) revela que a disbiose intestinal, que é o desequilíbrio da microbiota, surge antes da hipertensão arterial. Anteriormente a essa pesquisa, acreditava-se que a disbiose acompanhava o aumento da pressão arterial dos SHR e, portanto, seria adquirida juntamente ao desenvolvimento da hipertensão. 
 

Com os novos resultados apresentados, o estudo consegue chamar a atenção da comunidade cientifica para outro problema: a falta de informações sobre a microbiota intestinal da mãe hipertensa durante o período pós-natal. Uma vez que a microbiota da mãe é transmitida para o filhote durante o parto, na amamentação e nos momentos de cuidados, é fundamental entender se a disbiose intestinal do filhote não teria sua origem na microbiota da mãe. Com isso, o grupo planeja no futuro estudar a relação da disbiose intestinal com a hipertensão arterial também em fêmeas.

 

Funcionalidade da microbiota

Nos últimos anos, os estudos sobre a microbiota intestinal têm chamado bastante atenção para alguns gêneros bacterianos produtores dos chamados ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), como o propionato, o acetato e o butirato. Investigando essa linha, o estudo ainda revelou que os animais com predisposição para hipertensão arterial apresentavam menor quantidade de butirato quando comparado aos animais normotensos. 
 

Antes da pesquisa de Dardi, sabia-se os ratos SHR jovens apresentavam dificuldade de absorver os AGCC produzidos pela microbiota no intestino por apresentarem menor expressão de transportadores desses metabólitos. Contudo, acreditava-se que haveria uma alteração na produção desses metabolitos apenas na idade adulta, em consequência da disbiose intestinal, promovendo principalmente uma menor disponibilidade de butirato. A suplementação de SHR adultos com butirato já foi descrita na literatura promovendo redução dos valores de pressão arterial. Contudo, em humanos, um estudo clínico demonstrou que o tratamento com butirato resultou no efeito contrário, levando ao aumento da pressão arterial e sugerindo que o efeito desse AGCC sobre a hipertensão arterial ainda precisa ser melhor compreendido antes que possa ser empregado como ferramenta de controle dessa condição em pacientes. 
 

No trabalho de Dardi e colaboradores, foi demonstrado que a produção de butirato estava prejudicada nos SHR antes mesmo do surgimento da hipertensão arterial e que a amamentação dos SHR em fêmeas normotensas não alterava esse padrão. No entanto, a menor expressão dos transportadores de AGCC no intestino dos animais foi influenciada pela troca do ambiente pós-natal, independentemente do animal apresentar ou não a pré-disposição à hipertensão. 
 

Outro produto da microbiota avaliado no trabalho foi o sulfeto de hidrogênio (H₂S) que, em níveis considerados “fisiológicos’, apresenta importante papel na manutenção da integridade da parede do intestino. Segundo Dardi, acredita-se que o H₂S ajude no tratamento da hipertensão arterial nos SHR, visto que, quando administrado em um animal jovem, ocorre um retardo na elevação dos níveis de pressão arterial apresentados por esses animais. 
 

Por isso, achava-se que esses hipertensos tinham menor quantidade de H₂S do que os normotensos. Contudo, a pesquisa do ICB-USP comprovou que os SHR têm maior produção de H₂S nas fezes – padrão esse que também não foi alterado com a amamentação cruzada. A quantificação desse metabolito nas fezes dessa linhagem de animais hipertensos é inédita na literatura e abre novos caminhos para compreender como os diferentes produtos da microbiota intestinal podem influenciar o ambiente intestinal, a microbiota, o desenvolvimento e a manutenção da hipertensão arterial.

 

Confira o artigo na íntegra no link.

 

Ana Carolina Guerra | Acadêmica Agência de Comunicação e NUCOM-ICB