Ferramenta conecta dados genômicos e metabolômicos, contribuindo para pesquisas sobre saúde humana e ambiental.
18/06/2021
Um estudo publicado na Nature Chemical Biology pela Universidade de Wageningen (Holanda), com participação de pesquisadoras do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), pode ajudar a ciência no entendimento de diversas doenças e de questões ambientais. Trata-se de uma plataforma chamada Paired Omics Data Platform, que padroniza e conecta dados genômicos (diversidade de genes) e metabolômicos (diversidade de metabólitos produzidos por um organismo).
A iniciativa facilita o estudo das estruturas químicas e funções dos metabólitos especializados, também chamados de produtos naturais. São moléculas produzidas naturalmente por organismos e que não são estritamente necessárias para a sua sobrevivência, mas que podem conferir vantagens ao organismo produtor. Um exemplo clássico é o antibiótico: muitos desses fármacos são feitos de moléculas produzidas pelas próprias bactérias, que servem como um mecanismo de defesa contra outras bactérias competidoras.
“A plataforma conecta todos os dados de uma forma padronizada, por exemplo: identificação da bactéria, fonte da amostra (humano ou ambiental), meio de cultivo, condições de preparo de amostra etc.”, afirma Anelize Bauermeister, pós-doutoranda do ICB-USP, que hoje conduz sua pesquisa na Universidade da California San Diego, nos EUA. Segundo ela, já existem repositórios de dados de genômica e metabolômica, mas que não conversam entre si. “Os dados carregam muita informação. Com os dados pareados e ferramentas de bioinformática, é possível aprender os padrões do genoma e do metaboloma e assim fazer correlações. Mas, para isso, era necessário a criação de uma plataforma que interligasse todos esses dados”, completa.
Aplicações – Facilitar a investigação de doenças e novos tratamentos é uma das vantagens da plataforma. As bactérias que vivem em nosso intestino, por exemplo, produzem metabólitos que podem influenciar outras partes do organismo. “Com os dados pareados na plataforma, você pode conseguir identificar qual seria a bactéria produtora de um determinado metabólito. Isso pode ajudar a entender quais são os reais causadores de certas doenças, como eles agem no organismo e assim acelerar a busca por tratamentos”, afirma Bauermeister.
Segundo a professora Letícia Lotufo, as aplicações da plataforma vão além da saúde humana, auxiliando também em questões ambientais. Um exemplo é o branqueamento de corais, fenômeno relacionado ao aumento da temperatura da água. Quando isso ocorre, a composição de bactérias (microbioma) dos corais é modificada. “Ao entender as características do metaboloma e sua relação com o microbioma do coral, talvez seja possível pensar em alertas do comprometimento da saúde daquele ambiente antes de ocorrer o branqueamento”, explica a pesquisadora.
As pesquisadoras contribuíram para o projeto da Universidade de Wageningen com dados de organismos marinhos – o grupo tem trabalhado na compreensão do microbioma e do metaboloma dos animais marinhos brasileiros. “Nós vimos na plataforma uma oportunidade de entender essas relações”, afirma a professora.
Moléculas anticâncer – Uma das principais linhas de pesquisa do laboratório de Letícia Lotufo é a busca por moléculas com atividade anticâncer produzidas por bactérias marinhas. A equipe coleta bactérias de diversos pontos do litoral brasileiro e isola os seus metabólitos para testar o seu efeito em células tumorais. Em 2019, em parceria com a Universidade da Califórnia, as cientistas descobriram uma molécula que, além de ser capaz de matar células tumorais de melanoma, também poderia ser eficiente para tratamento de células quimiorresistentes.
A Paired Omics Data Platform também pode ser útil nesses estudos. “Nem sempre eu consigo isolar a bactéria que produz o metabólito, mas a plataforma pode me ajudar a encontrar os genes responsáveis pela produção desse metabólito. Esses genes podem ser utilizados na pesquisa, ensinando outra bactéria a produzir a molécula de interesse. Por fim eu posso testá-la em modelos antitumorais”, destaca Lotufo.
Por Aline Tavares
Acadêmica Agência de Comunicação