Grupo que analisa como a molécula reversina inibe a leucemia linfoblástica aguda concorre na categoria Pesquisa em Oncologia. Premiação será no dia 1º de agosto.
23/07/2021
O pesquisador João Agostinho Machado-Neto, do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), está na final da 12ª edição do Prêmio Octavio Frias de Oliveira, organizado pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira (ICESP) em parceria com o Grupo Folha. O estudo coordenado pelo professor concorre na categoria Pesquisa em Oncologia com mais dois candidatos, sendo um dos seis finalistas entre os 42 trabalhos inscritos. Os vencedores serão anunciados no dia 1º de agosto em reportagem da Folha de S. Paulo e o vencedor de cada categoria receberá 20 mil reais.
O artigo em questão aborda a utilização da molécula reversina, ainda não aprovada para uso clínico, para eliminar células tumorais da leucemia linfoblástica aguda. A pesquisa divulgada na revista Cellular Oncology em 2020 identificou duas proteínas que contribuem para o agravamento do câncer, a Aurora Quinase A (AURKA) e Aurora Quinase B (AURKB) — que agora podem servir como marcadores da evolução da doença.
“A leucemia linfoblástica aguda é um câncer muito agressivo que acomete principalmente crianças e jovens adultos. Em crianças, é possível conter a doença e até curar o paciente por meio de quimioterapia. Mas nos adultos, a falta de opções para tratamento é um sério problema e por isso o prognóstico do paciente costuma ser ruim. Com as terapias atuais, a sobrevida desses pacientes por mais de cinco anos gira em menos de 50%”, detalha o pesquisador.
Segundo Machado-Neto, os pacientes que não recebem tratamento costumam viver quatro a oito semanas após o diagnóstico. Muitas vezes, os portadores da doença não respondem aos fármacos atuais, e nem todos estão aptos a receber umas das terapias curativas: o transplante de medula óssea. “Há ainda uma grande dificuldade em encontrar um doador de células-tronco hematopoéticas compatível”, complementa.
Entenda as descobertas – Mesmo distante de se traduzir em um tratamento, os resultados da pesquisa são promissores. O trabalho, que tem como primeiros autores o doutorando Jorge Antonio Elias Godoy Carlos, do ICB, e a doutoranda Keli Lima, da Faculdade de Medicina da USP, identificou os mecanismos que levam a reversina a inibir a doença.
“Em um estudo precursor de 2019, nós já tínhamos observado em testes in vitro que a reversina induz à apoptose (morte celular) em uma neoplasia hematológica mais branda. No ano passado, nós expandimos a pesquisa para outros modelos de câncer e focamos na leucemia linfoblástica aguda. Descobrimos que a molécula também leva à autofagia (quando a célula “come” a si mesma) e à catástrofe mitótica (freiam as mitoses até a morte). Isso aumenta a chance de eliminá-las, já que algumas células tumorais são resistentes à apoptose”, explica o professor.
O trabalho também detalhou o papel das proteínas AURKA e AURKB e comparou a sua presença em células humanas cancerosas e em células humanas saudáveis. “A célula tumoral é atingida pela reversina porque ela tem uma quantidade maior dessas proteínas, que são os alvos da molécula. Então a reversina poderia ser um tratamento seletivo para a doença – o que evitaria efeitos adversos, pois não afetaria as células saudáveis”, detalha o doutorando Jorge Carlos.
“A descoberta é importante porque leva a uma medicina personalizada, diminuindo as chances de aplicar um medicamento menos eficaz e com mais efeitos colaterais. Podemos constatar em laboratório os níveis de AURKA e AURKB do paciente, por meio de um exame PCR quantitativo, e indicar um fármaco à base de reversina, que se mostrou mais atuante nas células cancerosas”, completa Machado-Neto.
Próximos passos – Ainda há muitas etapas para que a reversina possa ser aplicada em pacientes. O grupo tem a intenção de testar a molécula em outros modelos de câncer e futuramente realizar testes em animais, porque só assim será possível ter noção da toxicidade de um composto à base da molécula.
Vale ressaltar que a pesquisa, ainda em estágio inicial, já contribuiu para outros estudos sobre câncer. “O conhecimento que tivemos já foi aplicado a pesquisas com outros tipos de câncer. Há um trabalho publicado sobre glioma, um tumor cerebral agressivo e com sobrevida baixa do paciente, que apresenta resultados promissores com a reversina”, informa a pesquisadora Keli Lima.
Excelência em oncologia – Os pesquisadores declararam que caso vençam o Prêmio Octavio Frias de Oliveira, o valor da premiação será reinvestido em suas pesquisas. Mas desde já eles se consideram vencedores. “Confesso que não esperava essa indicação ao prêmio, até porque fiz esse trabalho na pós-graduação. Essa conquista me dá vontade de estudar mais e fazer meu trabalho cada vez melhor”, afirma Lima. “É um impulsionamento para a nossa carreira acadêmica, que ainda está no início. Estamos muito felizes e todos trabalhamos bastante, então é merecido”, complementa Carlos.
Machado-Neto destaca que quase todos os experimentos foram realizados no ICB-USP, com exceção dos testes com células primárias, que ocorreram na FMRP-USP. A indicação veio após três anos que a linha de pesquisa em leucemia foi implementada na instituição. “Essa conquista coloca nosso Instituto entre os pioneiros na oncologia, pois trata-se de um prêmio de projeção internacional, um dos principais em nossa área. Há trabalhos que foram desenvolvidos no exterior, mas o nosso não. Entre os estudos inscritos de 2020-2021, fomos considerados entre o ‘top 3’ da pesquisa brasileira em oncologia e alcançamos a excelência nas pesquisas em leucemia”.
Por Gabriel Martino | ICB-USP