Estresse na adolescência, memória e aprendizagem, e produção de minicérebros foram alguns dos assuntos abordados durante o Simpósio de Neurociência, realizado no ICB-USP.
26/09/2019
No dia 17 de setembro (terça-feira), o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) recebeu especialistas de diversas instituições para integrar o Simpósio de Neurociência, promovido pela Comissão de Cultura e Extensão (CCEX) do Instituto, sob coordenação da professora Alda Maria Backx Noronha Madeira e do professor Marcus Vinícius Baldo. Foram discutidos desde os efeitos da música no cérebro e as consequências do estresse social na adolescência até a fabricação de minicérebros para o estudo de doenças em laboratórios. O evento foi voltado especialmente para alunos e professores do ensino médio da rede pública.
Segundo a professora Alda Madeira, presidente da CCEX, uma das missões da comissão é promover uma maior interação entre a universidade e a comunidade. “Quando compartilhamos conhecimento, todos os lados crescem. Nós temos cursos de capacitação para professores, visita monitorada para os alunos e também a Feira de Profissões da USP, na qual o ICB tem se destacado”, afirma.
Para introduzir o tema da primeira palestra, a pianista Débora Oliveira se apresentou aos convidados. Em seguida, a professora Patrícia Vanzella, líder do grupo de pesquisa Neurociência e Música da Universidade Federal do ABC (UFABC), falou sobre as mudanças que a música provoca no cérebro. Com técnicas de neuroimagem, é possível observar os neurônios envolvidos no processamento musical. A pesquisadora mostrou imagens que revelam até mesmo diferenças anatômicas e funcionais nos cérebros de indivíduos músicos e não músicos. “Os estudos da área visam investigar possíveis efeitos socioemocionais, cognitivos e terapêuticos derivados do uso da música”, explica.
Estresse na adolescência – Com as novas tecnologias de ressonância magnética, também foi possível identificar que o cérebro passa por muitas mudanças durante a adolescência. Nesse período, ocorre um processo chamado poda neuronal, que consiste na perda de sinapses (conexões neuronais) pouco utilizadas, o que influencia no controle emocional. A professora Silvana Chiavegatto, do ICB-USP, falou sobre o assunto e citou um de seus estudos relacionados ao bullying.
Em testes com camundongos, a pesquisadora analisou o estresse por subjugação social repetida. Uma parte do grupo subjugado por camundongos agressivos tem dificuldade de se relacionar e perda de prazer, um dos sintomas da depressão (observado quando os animais não se interessaram por beber água com açúcar). Por outro lado, outra parte do grupo se mostrou resiliente e continuou consumindo a água.
Memória e aprendizagem – A memória é a habilidade de adquirir, reter e usar informações, enquanto a aprendizagem é um processo que reflete uma alteração duradoura no comportamento, explica a pesquisadora Tatiana Ferreira, professora do Programa de Pós-Graduação de Neurociência e Cognição da UFABC. Esses processos podem ser prejudicados por uma série de fatores, como a privação de sono e o uso de drogas de abuso. Em uma de suas pesquisas, realizada em camundongos, Ferreira analisou as áreas do cérebro ativadas durante a compulsão por drogas e verificou que essas mesmas áreas também estão relacionadas à compulsão por açúcar.
Jovem cientista – O segundo período do simpósio iniciou com um depoimento de Arthur Borges Cantanzaro, estudante do 2º ano do ensino médio e apaixonado pelo cérebro. “Sempre falo que eu não tive tempo de escolher a neurociência, foi a neurociência que me escolheu. Nunca pensei em fazer outra coisa”.
Aos 14 anos, o jovem iniciou sua pré-iniciação científica com a professora Laiali Chaar, da Universidade Anhanguera, estudando reabilitação motora. A vontade de aprender era tanta que ele começou a ir em seminários, eventos e cursos, tanto da especialidade quanto de ciência em geral.
Com o conteúdo aprendido, Arthur criou o blog BrainCiência para que pudesse compartilhar as descobertas científicas com uma linguagem mais acessível aos estudantes. Mais do que isso, quando falou de educação, o jovem fez um apelo a todos os professores presentes para que eles fomentem a mente científica nos alunos, para que um dia eles possam ser tornar cientistas ou que pelo menos compreendam e apoiem a ciência, principalmente no momento atual com os cortes de verba de pesquisas.
Com a emoção de um jovem conhecendo o mundo da pesquisa científica, Arthur completou dizendo que ciência não se faz sozinha. “Eu nunca fui em um laboratório que tivesse uma pessoa só. Os neurônios também são assim: todo mundo junto. A ciência não pode e não deve ser feita sozinha.”
Minicérebros – A palestra seguinte foi com Karina Griesi Oliveira, pesquisadora do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, falou sobre os estudos que levaram à descoberta do minicérebro (aglomerado de células). Por meio dele, os cientistas conseguiram transformar uma célula diferenciada, como a célula epitelial ou do fígado, em uma célula embrionária que pode se transformar em qualquer outra com o DNA do paciente estudado. Assim, a célula de uma pessoa com autismo pode ser analisada desde o começo de sua “existência’, melhorando a análise científica.
Já a pesquisadora Laiali Chaar, da Universidade Anhanguera, falou sobre sentimentos e emoções. Além de explicar por que fechamos os olhos quando beijamos, também explicou por que comer açúcar aumenta tristeza e pode levar à depressão. Segundo uma pesquisa publicada na Neuroscience, o consumo de açúcar pode diminuir os níveis da proteína BDNF, que cria novos neurônios no nosso cérebro. Acredita-se que isso possa estar relacionado com o desenvolvimento de depressão e ansiedade.
Todos nós somos racionais, mas todas as nossas decisões são emocionais: até quando achamos que estamos tomando decisões de forma racional, o cérebro – mais precisamente a região da amígdala, que controla as nossas emoções e armazena as nossas memórias – leva em consideração nossas experiências e reações prévias.
Construção do mundo – Não vemos o que existe e vemos o que não existe. Com uma série de exemplos para ilustrar essa ideia, o professor Marcos Vinícius Baldo, do ICB-USP, surpreendeu a plateia com as “ilusões” pregadas por nossos olhos e cérebros. Ilusão essa que é apenas uma percepção que temos em uma determinada situação, mas que pode mudar completamente se observada de outro ângulo. A atenção que damos às coisas, segundo ele, é um mecanismo de aprendizado muito importante ao longo da vida e é a percepção que temos que molda a nossa construção do mundo.
Neuroética – Para finalizar o Simpósio de Neurociência, a pesquisadora Mariza Russo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) deu uma palestra importante acerca da neuroética. “O que faremos com todo esse conhecimento?”, questionou ela. Refletir sobre como as descobertas da neurociência impactam a sociedade é crucial nos dias de hoje para evitar eventos como a bomba atômica – que só foram mensurar o impacto daquela descoberta depois que o desastre já tinha acontecido.
Outro exemplo utilizado pela professora foi sobre a Conferência de Asilomar, instaurada para analisar os potenciais riscos biológicos e regulação da biotecnologia após a descoberta do DNA Recombinante. Foi durante essa conferência que nasceu o conceito de biossegurança.
Aline Tavares | Acadêmica Agência de Comunicação
Rhaisa Trombini | ICB-USP