Pesquisa da USP mostra que as bactérias benéficas produzidas pelo leite materno se sobrepõem às bactérias maléficas, independentemente do tipo de parto.
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) identificaram que o parto não é um fator determinante para a construção da microbiota da criança, ao contrário do que apontava a literatura científica. Resultados primários do Projeto Germina, que acompanha o desenvolvimento de 500 crianças nos primeiros 1000 dias, mostram que, nos primeiros três meses, o leite materno pode corrigir as eventuais complicações intestinais.
Definida como o conjunto de microrganismos que habitam o intestino, a microbiota está relacionada com diversas doenças autoimunes, diabetes, obesidade, desnutrição, alergias alimentares na pele e doenças inflamatórias intestinais, como a Doença de Crohn. Em crianças prematuras, por exemplo, uma microbiota muito desregulada (com grande número de bactérias disbióticas [que favorecem o desequilíbrio da cadeia de microrganismos]) pode resultar em um quadro de sepse, infecções que figuram como uma das principais causas de mortalidade infantil.
Materno x fórmula – “Observamos que o leite materno carrega uma carga de bactérias benéficas que se sobrepõe às bactérias maléficas e assim consegue dar resiliência à microbiota. Com isso, o fato de o bebê ter nascido de parto normal ou cesárea, prematuro ou nascido de nove meses, tem pouco impacto na modulação da microbiota. O principal fator de modulação é o leite”, afirma a coordenadora do estudo, professora Carla Taddei, que também coordena o curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP) e é docente colaboradora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP) e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF-USP).
Em contrapartida, o leite de fórmula (alimento processado, comercializado principalmente em pó) se mostrou incapaz de produzir o mesmo grau de modulações positivas. “Ou seja, assim como as crianças que não receberam nenhum leite, nesses casos o que irá determinar como será a microbiota são, principalmente, as interações das bactérias com o ambiente do intestino, além da genética familiar e dos diversos eventos que acontecem nesses primeiros dias, como o parto, os medicamentos que ela recebe [principalmente antibióticos] e o tipo de dieta”, explica.
Pouca diferença faz também se o leite materno é oriundo da mãe ou de bancos de leite. Isso porque um estudo anterior conduzido pela FCF-USP no Hospital Universitário, e coordenado pela docente, identificou que, apesar das diferenças nutricionais proporcionadas pela pasteurização, os resultados na modulação da microbiota são os mesmos. O artigo foi publicado na revista Nutrients, em 2021.
Equilíbrio de longa duração – A formação da microbiota nos primeiros dois anos de vida define como ela será durante o resto da vida, uma vez que é nesse momento que se constrói a microbiota basal, que permanecerá, independentemente dos hábitos alimentares e questões de saúde. “Após esse período, o que modula a microbiota é o ambiente e a dieta. No entanto, por mais que a microbiota sofra alterações, a qualquer momento ela pode retornar a ser como era nos primeiros dois anos. Por exemplo, se um adulto se tornar vegano, sua microbiota será alterada. Mas se ele abandonar o veganismo, ela voltará à forma basal”.
Para as mães que não podem amamentar, a melhor solução é, portanto, adquirir o leite materno de bancos de leite. Para isso, o Ministério da Saúde, em conjunto com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), organiza a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (rBLH-BR), que reúne mais de 200 hospitais, detentores do selo Amigo da Criança, pelo Brasil.
“Nos hospitais, os leites passam por diversas avaliações que garantem uma segurança microbiológica e identificam suas propriedades nutricionais. Com isso, os hospitais Amigos da Criança selecionam os leites que mais se adequam às propriedades que cada bebê precisa, de acordo, por exemplo, com seu peso e seus índices de cálcio no sangue”, detalha Taddei.
Sequenciamento do DNA – Os resultados da pesquisa foram obtidos por meio de sequenciamento de dados do DNA dos 500 voluntários. Esse procedimento é realizado por meio de uma tecnologia inovadora no país, chamada de “shotgun”, que permite analisar milhões de informações das amostras em um curto período. “Com essa tecnologia, conseguimos analisar 5 milhões de sequências de DNA por criança. Enquanto com as máquinas convencionais, conseguimos algo em torno de 100 a 200 mil. Ao final desses 1000 dias, teremos um contingente de dados que poderão ainda ser analisados por mais de 10 anos”.
O recurso e o projeto são fruto de um financiamento de 2,8 milhões de dólares da Wellcome Leap, organização britânica sem fins lucrativos. Com isso, sete grupos de pesquisadores da USP, de diferentes instituições, se reuniram no Projeto Germina, que busca analisar com detalhes o que é considerado um desenvolvimento saudável de uma criança de até três anos, de acordo com a interlocução entre as áreas de genética, microbiologia, nutrição, fonoaudiologia, pediatria, psicologia, psiquiatria de crianças e neurociência do desenvolvimento. “Esperamos fazer um modelo que possa prever, nos primeiros três meses, como a criança estará com três anos, e assim orientar tratamentos personalizados”.
Gabriel Martino | Acadêmica Agência de Comunicação