Na 3ª Conferência Iberoamericana de Espectrometria de Massas, quatro pesquisadores se destacaram com seus estudos em doenças infecciosas
Quatro pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) foram premiados na última edição da Conferência Iberoamericana de Espectrometria de Massas por seus trabalhos envolvendo doenças infecciosas. A terceira edição do evento, realizada pela Sociedade Brasileira de Espectrometria de Massas (BrMASS) e pela Sociedade Brasileira de Proteômica (BrPROT), aconteceu entre 10 e 15 de dezembro de 2022, no Rio de Janeiro, e contou com diversas apresentações envolvendo a espectrometria de massas, ferramenta essencial no processo de identificação e quantificação dos mais diversos tipos de moléculas.
As apresentações dos doutorandos Janaina Macedo da Silva e Deivid Martins Santos, alunos do Programa de Pós-Graduação em Biologia da Relação Patógeno-Hospedeiro e integrantes do Laboratório de Glicoproteômica no Departamento de Parasitologia do ICB-USP, foram premiadas pela BrMASS como dentre as melhores da conferência. O laboratório, coordenado pelo professor Giuseppe Palmisano, recebe financiamento da Fapesp, do CNPq e da CAPES, e tem enfoque na glicoproteômica, estudo das proteínas e os açúcares a elas ligados, relacionadas às doenças infecciosas.
O trabalho de Macedo da Silva foi um dos primeiros a avaliar a arginilação no estudo da COVID-19. O processo de arginilação consiste na adição do aminoácido arginina em uma proteína após ela ter sido sintetizada, ocorrendo naturalmente nos processos biológicos e indicando que a proteína em questão deve ser degradada, a fim de manter a homeostase celular. O estudo observou que células infectadas pelo vírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19, têm maiores níveis de arginilação, fazendo com que a inibição desse processo tenha possível valor terapêutico.
Já o trabalho de Santos envolveu a caracterização de um modelo de cultura celular não-convencional, denominado air-liquid interface (ALI). Neste modelo, a célula fica em contato com o ar na região apical (voltada para o meio externo) e em contato com o meio líquido na região basal (voltada para o tecido conjuntivo). Esta condição de cultura faz com que a célula, a linhagem imortalizada Calu-3, se polarize tornando-se uma célula epitelial de pulmão produtora de muco. Nesse ponto, o ALI se difere do modelo de cultura celular convencional, em que a célula fica completamente submersa e cresce em uma só camada. O modelo ALI ainda não era suficientemente caracterizado em um nível molecular, apesar comumente utilizado no desenvolvimento de drogas, o que motivou o estudo.
“Após um processo de polarização, essas células passam a produzir muco, e pouco se sabe dos efeitos biológicos desencadeados por esse processo. Usando espectrometria de massas, apresentei os dados de proteômica [estudo de proteínas] dessa célula, no qual observamos que as proteínas reguladas e os processos celulares ativados na célula Calu-3 polarizada em ALI apresentaram alta semelhança com o epitélio de pulmão humano”, explica o pesquisador. O estudo mostrou que o processo de polarização de Calu-3 aumenta o grau de diferenciação desta célula, conseguindo mimetizar de forma mais eficiente um epitélio de pulmão humano, o que pode aumentar a robustez dos resultados obtidos.
Outra integrante do laboratório, a pesquisadora Claudia Blanes Angeli, recebeu menção honrosa como um dos melhores pôsteres, na categoria de pós-doutor. O prêmio foi concedido pela Sociedade Brasileira de Proteômica. Angeli realizou um trabalho voltado para o desenvolvimento e testagem de métodos analíticos para a detecção de biomoléculas. No caso, o objetivo era identificar o método mais eficaz para a coleta de proteínas de células oculares e para isso foram feitas várias abordagens, utilizando diferentes tampões de coleta. A abordagem mais eficiente foi então aplicada a um estudo à parte que buscou responder a uma pergunta biológica: qual a relação entre a exposição ao zika vírus na gestação e alterações oculares em crianças.
Nesse evento, foi também premiada Lívia Rosa Fernandes, do Laboratório de Imunoparasitologia Experimental, coordenado pelo professor Cláudio Marinho, também do Departamento de Parasitologia. Ela recebeu o prêmio Gilberto B. Domont for Young Investigators, da Sociedade Brasileira de Proteômica, que reconhece o conjunto de trabalhos de jovens pesquisadores. A cientista se destacou por ter trabalhado em duas emergências de saúde pública: a pandemia da COVID-19 e epidemia do zika vírus, em 2015. “No caso do zika vírus, no início nem sabíamos como o vírus chegava ao cérebro do bebê através da placenta. Primeiro trabalhamos com minicérebros in vitro, para entender essa infecção, sempre caracterizando o proteoma”, relembra.
O trabalho, que também envolveu os professores Edison Luiz Durigon, no isolamento do vírus, e Patrícia Beltrão Braga, no uso da tecnologia dos minicérebros, estudou o comprometimento no desenvolvimento e diferenciação de células cerebrais.
Outro foco da pesquisa de Rosa Fernandes foi o estudo da circulação de proteínas no organismo das mães, com o objetivo de constatar a possibilidade ou não de se detectar alterações no organismo do bebê antes mesmo do nascimento. O monitoramento dos bebês após o nascimento também foi alvo do seu trabalho.
“Aqui o desafio era descobrir formas não-invasivas de coleta de proteínas, o que foi solucionado com o desenvolvimento da metodologia CImPA (Cytology Impresion Proteomics Assay) e os resultados gerados mostraram que as crianças expostas ao Zika vírus no período gestacional tem necessidade de acompanhamento médico, mesmo as que nasceram sem microcefalia”, detalha a pesquisadora.
Os estudos receberam apoio da Fapesp, CNPq e do programa PNPD/Capes. O esforço de pesquisa voltado para a epidemia contou com parcerias entre grupos de pesquisa do próprio ICB e de outras universidades no Brasil e no exterior.
Resultados só foram possíveis devido à espectrometria de massas – Os pesquisadores destacaram a importância da tecnologia de espectrometria de massas na proteômica, como um denominador comum em todos os trabalhos. A técnica utilizada consiste na extração das proteínas de uma amostra biológica, podendo ser células, tecidos ou fluidos biológicos, que são então digeridas pela enzima tripsina para reduzi-las em peptídeos. Os peptídeos são então separados por técnicas de cromatografia líquida e injetados no espectrômetro de massas. Este, por sua vez, fornece a relação massa/carga dos peptídeos para que softwares possam identificar e quantificar as proteínas da amostra original. O processo permite, dessa forma, mapear a composição proteica de qualquer material biológico.
“Cada um apresentou uma temática, metodologias e perguntas biológicas diferentes, mas a forma que utilizamos para detectar o proteoma é a mesma. Não existe outra técnica tão eficiente quanto a espectrometria de massas para trabalhar com uma quantidade tão grande de dados”, comenta Rosa Fernandes.
Macedo da Silva destaca a importância do acesso a dados já existentes, obtidos pelo processo de espectrometria de massas, em sua pesquisa: “Pudemos analisar dados públicos para encontrar uma via de interesse para os nossos estudos, e a partir daí realizar outros experimentos para validar esses achados. Essa é também uma possibilidade interessante”, diz.
Confira abaixo os estudos citados no texto.
Por Felipe Parlato | ICB-USP
Editado por Gabriel Martino | Agência Acadêmica Comunicação