O trabalho, baseado em tecnologia CRISPR, apresenta um sistema genético capaz de reverter uma determinada característica e cujo impacto ecológico é dissipado naturalmente.
Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), em colaboração com um professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), apresentou um sistema inovador de edição genética baseado em tecnologia CRISPR. Os pesquisadores foram capazes de reverter a resistência a inseticidas em populações de moscas da espécie Drosophila melanogaster, popularmente conhecidas como moscas-da-fruta. A tecnologia tem potencial aplicação no controle de vetores de doenças infecciosas e pragas agrícolas. O estudo foi publicado na Nature Communications, do Grupo Nature.
A ferramenta utilizada, chamada gene-drive system (sistema de impulso genético), atua favorecendo a propagação de um gene específico em uma população-alvo. No experimento, o sistema foi programado para identificar e substituir o trecho do DNA associado à resistência a inseticidas. “O gene-drive reconhece e rompe uma determinada região do DNA que contém uma informação indesejada. Através dos mecanismos naturais de reparação celular, o DNA pode recompor-se copiando uma outra informação que pretende propagar. Este é o mecanismo utilizado para reverter a resistência a inseticidas em populações de insetos”, explica Rodrigo Corder, professor do Departamento de Parasitologia do ICB-USP e um dos colaboradores do estudo.
A vantagem do gene-drive está no seu padrão de transmissão genética. Em condições naturais, uma herança mendeliana determina que 50% da prole herde um gene específico. Com o gene-drive, esse número pode subir para quase 100%, o que acelera a disseminação da característica desejada na população-alvo. “Uma pequena quantidade de indivíduos modificados pode, ao longo de algumas gerações, alterar geneticamente toda uma população. Isso torna a técnica uma alternativa promissora para o controle vetorial de doenças infecciosas e para o manejo de resistência a inseticidas em insetos agrícolas, por exemplo”, afirma o pesquisador.
Um dos diferenciais desta pesquisa está no impacto ecológico reduzido do método. Estudos anteriores utilizando gene-drive já haviam conseguido disseminar genes em populações de insetos, mas as alterações genéticas permaneciam indefinidamente nas populações estudadas. Neste novo estudo, os pesquisadores aprimoraram o sistema genético de forma que, além de reverter a resistência aos inseticidas, as outras alterações genéticas introduzidas desaparecem naturalmente ao longo do tempo.
“Em nossa aplicação, isso ocorre porque as fêmeas das Drosophila apresentaram uma preferência reprodutiva por machos não mutantes, fazendo com que a população volte gradualmente ao estado original após reversão da resistência aos inseticidas. Ou seja, os componentes genéticos introduzidos e responsáveis pelo espalhamento da característica desejável (proteína Cas9 e RNA guia) são eliminados naturalmente ao longo das gerações. Esse comportamento tende a minimizar o impacto ecológico da aplicação, uma vez que as mutações introduzidas são transitórias”, explica Corder.
O estudo foi liderado pelo professor Ethan Bier, da UC San Diego, e tem como primeiro autor o pesquisador Ankush Auradkar. A colaboração de Corder e Bier teve início durante o pós-doutorado de Corder na Universidade da Califórnia, Berkeley, sob supervisão do professor John Marshall. Desde então, Corder e Marshall colaboram com o componente de modelagem matemática para prever a dinâmica de espalhamento dessas características genéticas nas populações de insetos estudadas. “A modelagem matemática tem um papel essencial para compreender como essas modificações genéticas se propagam ao longo do tempo e avaliar sua viabilidade antes de possíveis aplicações em ambientes naturais”, acrescenta.
Embora o foco desta pesquisa tenha sido a resistência a inseticidas em drosófilas, estudos anteriores já demonstraram o potencial do gene-drive para controle de vetores de doenças como a malária, reduzindo sua capacidade de transmissão do parasita. A pesquisa já despertou interesse internacional e foi destacada, por exemplo, pela emissora KPBS nos Estados Unidos, evidenciando sua relevância para a comunidade científica global. O estudo contribui para a construção de estratégias de controle vetorial mais seguras e eficientes, abrindo caminho para novas aplicações no combate a doenças como dengue, malária e outras infecções transmitidas por insetos.
Felipe Parlato | Acadêmica Agência de Comunicação