Compostos testados inibem a enzima ATC do patógeno e têm efeito robusto uma vez que impedem a produção da enzima em vez de apenas combatê-la.
Imagem da ligação entre a ATC e os compostos
Uma parceria entre pesquisadores da Universidade de Groningen (RUG), na Holanda, e do laboratório Unit for Drug Discovery, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), identificou novos compostos que abrem caminho para um medicamento alternativo contra a malária. Trata-se de uma descoberta de extrema importância dada a rapidez com que os fármacos contra a doença se tornam ineficazes ao longo do tempo.
Publicada no Journal of the American Chemical Society, a pesquisa mostrou níveis que variam de 50% a 100% de inibição da enzima em quatro compostos com melhor desempenho.
O estudo, coordenado no Brasil pelo professor Carsten Wrenger, do Departamento de Parasitologia, testou diversos compostos para inibição da enzima Aspartate transcarbamoylase (ATC), encontrada no Plasmodium falciparum, um dos principais parasitas causadores da malária. A ATC desempenha um papel essencial na biossíntese da pirimidina, composto orgânico que participa da síntese de DNA e RNA, essencial para o funcionamento celular do patógeno.
A seleção de compostos foi realizada pelo líder deste estudo na Holanda, professor Matthew Groves, por meio de testes in vitro e cristalografia de raio-x, técnica que permite fundi-los à enzima e observar como eles interagem por meio de pequenos cristais que são produzidos nessa união. Os compostos mais promissores foram analisados no ICB, onde ocorreram os testes in vivo, ou seja, com células humanas ‘invadidas’ pelo parasita.
As análises também mostraram que os compostos não apresentaram toxicidade, sem qualquer dano à integridade das células humanas nas seis diferentes concentrações em que foram testados. “Pudemos colaborar com esse trabalho porque atuamos em um laboratório de alta biossegurança, com condições adequadas para realizar ensaios dessa natureza, sem qualquer risco à saúde dos pesquisadores”, detalha Wrenger.
Este estudo é a continuação de uma colaboração científica de longo prazo entre os coordenadores do estudo, Matthew Groves (RUG) e Carsten Wrenger (ICB-USP), que não apenas levou às publicações em outros periódicos científicos importantes como ACS Infectious Diseases e Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, mas também ao estabelecimento de um programa de dupla titulação de doutorado entre as duas universidades.
Abordagem inovadora – Segundo Arne Krüger, aluno de doutorado no grupo do Wrenger, a descoberta é promissora pois a pirimidina suprimida no parasita dificilmente pode ser adquirida de outra forma: “Além da síntese, é possível que o plasmódio adquira pirimidina na natureza, ou seja, por vias selvagens. Mas os plasmódios se reproduzem muito rapidamente, de modo que possíveis vias selvagens podem não ser suficientes para garantir a sobrevivência do parasita, demonstrando a importância da ação dos compostos na inibição da enzima ATC durante a síntese de pirimidina.”
Segundo ele, esses compostos também têm um efeito mais robusto em comparação com outros inibidores porque impedem a biossíntese de uma substância crucial para o desenvolvimento do parasita.
Importância da descoberta – Com epidemias da malária voltando em regiões específicas do planeta, sobretudo aquelas onde há cepas mais resistentes, novos tratamentos são indispensáveis. “A malária é uma das doenças mais antigas que circula pela população humana, e esse tempo de circulação tornou o plasmódio extremamente adaptável ao corpo humano. A proliferação também é muito alta e o metabolismo é regulado com facilidade, por ser um organismo que circula dentre várias espécies e ambientes”, explica Krüger.
Segundo ele, essa versatilidade faz com que o plasmódio crie resistências, tornando os tratamentos obsoletos muito rapidamente. Muitos dos fármacos antes utilizados, como a cloroquina, hoje são ineficazes contra boa parte das cepas, por isso a importância do investimento em novos tratamentos. O pesquisador ainda ressalta que não é só uma questão de tratamento. A vacinação, combate ao mosquito transmissor e outras formas de prevenção são também essenciais na contenção da doença.
Por Felipe Parlato | ICB-USP
Editado por Gabriel Martino | Acadêmica Agência de Comunicação