Pesquisa do ICB-USP indica que a enzima P5CR faz parte de um mecanismo importante para a sobrevivência do Trypanosoma cruzi. O conhecimento pode ser usado futuramente no desenvolvimento de novos medicamentos para a doença.
08/07/2020
No Laboratório de Bioquímica de Tripanossomas (LaBTryps) do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), coordenado pelo professor Ariel M. Silber, os pesquisadores estudam as funções e o metabolismo dos aminoácidos de parasitas pertencentes a esse grupo, para tentar identificar enzimas importantes para a sua sobrevivência. Esses estudos podem abrir caminho para novos tratamentos para infecções como Doença de Chagas, causada pelo Trypanosoma cruzi, e Doença do Sono, provocada pelo Trypanosoma brucei.
Em artigo publicado recentemente no periódico científico Biochemical Journal, os cientistas descreveram as características bioquímicas e a localização da proteína responsável pela catálise da síntese de prolina no T. cruzi. Essa proteína é relevante pois a prolina é um metabólito que, além de ser um constituinte das proteínas, protege o parasita durante a infecção e auxilia na invasão das células do hospedeiro. Foi descoberto que, diferente de outros organismos, a enzima P5CR do T. cruzi, responsável pela produção da prolina, é inibida por um dos seus substratos (reagentes), o NADPH, quando este está presente em altas concentrações no interior da célula.
“Geralmente, quanto mais substrato a enzima recebe, mais atividade ela apresenta. No T. cruzi, observamos o contrário: a partir de um ponto, quanto maior o nível de NADPH, menos atividade ela possui”, explica a pós-doutoranda Letícia Marchese, primeira autora do estudo. A hipótese do grupo é que a enzima P5CR pode estar envolvida em um processo de lançadeira redox entre a mitocôndria e o citoplasma do parasita, isto é, regula a entrada de prolina na mitocôndria – organela importante para a geração de energia através da síntese de ATP (trifosfato de adenosina).
“Os níveis de NADPH funcionariam como reguladores da produção de prolina. A enzima consome o NADPH e produz a prolina, que é transferida para a mitocôndria. A degradação da prolina dentro da mitocôndria produz moléculas fundamentais para fornecer a energia necessária para a síntese de ATP. Esse mecanismo contribuiria com a administração dos níveis de energia do parasita”, diz Marchese. No mesmo estudo, o grupo mostrou que o primeiro produto da oxidação da prolina dentro da mitocôndria pode sair para ser utilizado novamente como substrato, para realimentar a síntese de prolina. Isto, que parece um detalhe, pode ser a chave do mecanismo de regulação proposto.
Alvo terapêutico – De acordo com o professor Ariel M. Silber, coordenador do estudo, uma vez encontrados os aminoácidos relevantes para a sobrevivência do T. cruzi, seria possível identificar enzimas críticas que os metabolizam como alvos no desenvolvimento de novos medicamentos para tratar a Doença de Chagas.
Segundo o Ministério da Saúde, em 2018 mais de 300 brasileiros foram diagnosticados com Doença de Chagas em fase aguda, e estima-se que cerca de um milhão de pessoas estejam infectadas pelo T. cruzi. A doença tem tratamento desde a década de 60, porém os medicamentos possuem efeitos colaterais severos, que podem ser motivo até para a interrupção do tratamento. “A busca de novas alternativas terapêuticas é extremamente necessária”, afirma Silber.
Para dar continuidade aos estudos, o grupo pretende analisar formas de interferir no mecanismo de lançadeira redox que protege o T. cruzi. “Essa lançadeira está sendo proposta na literatura há cerca de 30 anos e foi só parcialmente demonstrada até a publicação do nosso estudo. Nós conseguimos mostrar pela primeira vez a peça que ainda faltava para deixar estabelecida a existência desse mecanismo”.
Por: Aline Tavares | Acadêmica Agência de Comunicação
Bruna Anielle | ICB-USP