Especificamente o artigo trata dos riscos que a descrição equivocada do hormônio concentrador de melanina, no que diz respeito à sua localização no sistema nervoso, podem acarretar.
Um artigo escrito pelo professor Jackson Cioni Bittencourt, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), em resposta a um trabalho de revisão coordenado por pesquisadores da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, traz considerações importantes sobre a anatomia do sistema nervoso central. Publicado na revista Nature Reviews Endocrinology, o artigo aponta erros cometidos em relação à distribuição morfológica do hormônio concentrador de melanina (MCH) e à nomenclatura de uma região do cérebro. Tais erros, segundo ele, podem comprometer seriamente o avanço do conhecimento científico.
De acordo com Bittencourt, embora os cientistas da Espanha tenham feito uma excelente revisão sobre o papel do MCH no controle da homeostase energética, eles descreveram de forma equivocada a sua organização anatômica. O MCH é visto principalmente como um dos moduladores da fome, além de desempenhar um papel relevante no controle do sono e na lactação.
“O que ocorreu foi uma simplificação exacerbada, isso não pode acontecer. Definiram uma das regiões onde o hormônio se encontra como zona incerta – uma nomenclatura que não diz respeito à sua localização e função como provocador da fome, eu e outros colegas ajudamos a extingui-la há mais de uma década”, afirma. Na tese de doutorado da professora do ICB, Luciane Valéria Sita, defendida em 2005 sob sua orientação, já havia sido descrita corretamente essa região, chamada de área incerto-hipotalâmica.
Além disso, segundo ele, os pesquisadores espanhóis não deram ênfase suficiente para a região onde a maioria dos neurônios do MCH está localizada, a área hipotalâmica lateral. “Trata-se de uma região integradora, que recebe todo tipo de informação, desde o olfato até o controle da pressão arterial, sono, fome, e as distribui para outras partes do corpo. Assim como ela controla alguns dos efeitos do controle alimentar e da reprodução”.
Riscos da desinformação – Bittencourt alerta para os riscos da repetição desse tipo de desinformação, por menor que pareça ser. “Essa desinformação, em específico, têm se repetido com frequência em artigos científicos e isso pode levar à interpretação de que o hormônio deve estar também em muitas outras áreas. Com isso, outros pesquisadores podem deduzir que ele tem localidades ou efeitos que não são possíveis — mudando o alvo das investigações e atrasando o desenvolvimento da ciência como um todo”.
Para o docente, respeitar a localização de neurônios humanos é de suma importância pois é ela que dá a primeira ideia de função. “Quando a gente descobre um hormônio, um receptor, um neurotransmissor, ou qualquer outro elemento estudado nas ciências biológicas, a primeira coisa que nos chama atenção é a localização. Porque é ela que nos dá a primeira dica do que estamos estudando”.
Potenciais terapêuticos – A área hipotalâmica lateral é uma das áreas mais estudadas do sistema nervoso na atualidade, pois é tida como promissora nas buscas por soluções para a obesidade e para a compulsão alimentar. “Já conhecemos dois receptores — e deve haver mais — responsáveis por promover a fome instintiva, aquela fome específica para satisfazer uma vontade de consumir algum alimento, induzida pelo MCH. Ao inibi-los, podemos ter uma terapia”, afirma o docente.
O professor coordena o Laboratório de Neuroanatomia Química, que tem se dedicado desde 2010 ao estudo do hormônio concentrador de melanina no controle do comportamento maternal e da lactação. “Com o apoio da FAPESP, estamos estudando em ratas como a lactação é controlada pelo organismo. Nossa hipótese é de que o hormônio é o responsável por indicar o momento em que o corpo encerra o ciclo de produção de leite para voltar a reproduzir, ou diminuir a fome de forma que ela não necessite mais de tanta energia para a produção de leite. Esse conhecimento pode ser útil no futuro para corrigir condições em que seja necessária a paralisação da amamentação”.
Por Gabriel Martino | Agência Acadêmica de Comunicação