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Com uma só dose, vacinas de mRNA são capazes de eliminar tumores causados por HPV em camundongos

Pesquisadores do ICB-USP e da Universidade da Pensilvânia desenvolveram imunizantes que se mostraram capazes de eliminar os tumores que causam o câncer do colo do útero sem a necessidade de tratamentos adicionais.

 

Pesquisadora Jamile Ramos Silva no Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas.

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) obtiveram resultados promissores com três imunizantes capazes de eliminar tumores induzidos pelo HPV (papilomavírus humano), causa de mais de 95% dos casos do câncer do colo do útero. As vacinas usam a tecnologia de RNA mensageiro (mRNA) e eliminaram, com apenas uma dose, 100% dos tumores que expressam proteínas do HPV-16, principal tipo de HPV associado com a doença em seres humanos, em modelo animal. Os resultados demonstraram que o tratamento foi capaz de agir com eficácia sem precisar estar associado a outros tratamentos, como cirurgia ou quimioterapia.

 

“Diferentemente dos imunizantes que evitam a transmissão do vírus HPV, as vacinas que estamos desenvolvemos são focadas na cura da doença – e isso é muito importante porque trata-se do quarto tipo de câncer mais incidente entre as mulheres no mundo; no Brasil, é o quarto mais mortal entre as mulheres”, afirma Jamile Ramos Silva, primeira autora de um artigo sobre a pesquisa que acaba de ser publicado na revista Science Translational Medicine do grupo Science.

 

As novas vacinas foram desenvolvidas no Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas (LDV) do Departamento de Microbiologia do ICB-USP, coordenado pelo professor Luís Carlos de Souza Ferreira. O trabalho foi feito em parceria com uma equipe de pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, liderada pelo prof. Norbert Pardi com participação da bioquímica Katalin Karikó, pesquisadora que está à frente da pesquisa e do desenvolvimento das vacinas da Pfizer-BioNTech contra a Covid-19. O estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

 

O trabalho é fruto da tese de doutorado da Dra. Jamile Ramos Silva, sob orientação do Prof. Luís Carlos de Souza Ferreira, pelo programa de pós-graduação do Departamento de Microbiologia do ICB. A tese recebeu o Prêmio CAPES de Tese e menção honrosa no Prêmio Tese Destaque USP. A pesquisa ainda contou com a parceria de pesquisadores da Universidade das empresas Acuitas Therapeutics, do Canadá, BioNTech, e da Imunotera Soluções Terapêuticas, uma startup formada da USP.

 

Abordagem inovadora – “O trabalho teve uma boa repercussão no meio acadêmico porque, além de induzir memória imunológica e evitar o reaparecimento de tumores, propõe uma nova estratégia. Ao contrário dos imunizantes terapêuticos atualmente utilizados, não é necessário aplicar várias doses para levar à destruição do tumor”, explica Ferreira.  “Os imunizantes que desenvolvemos ensinam o sistema imune a reconhecer e destruir as células tumorais de maneira ativa, uma estratégia semelhante às vacinas convencionais”.

 

No estudo, foram utilizadas vacinas desenvolvidas por meio de três estratégias diferentes baseadas em RNA mensageiro (mRNA). Todas codificam o mesmo antígeno vacinal gDE7, que contém a E7, uma proteína do vírus envolvida na formação de tumores. Essa proteína foi geneticamente fusionada à glicoproteína D do herpes vírus simplex tipo 1 (HSV-1), aumentando seu potencial de gerar respostas do sistema imune. Dessa forma, tornam-se capazes de treinar as células do sistema imune para que possam reconhecer e destruir as células tumorais. Para a entrega do mRNA às células, as vacinas foram incorporadas dentro de nanopartículas lipídicas, uma espécie de capa de gordura, produzida em parceria com a empresa canadense, que tem a função de impedir a degradação do mRNA.

 

O trabalho comparou lado a lado três tipos de vacinas baseadas em mRNA convencionais ou autorreplicativas. A primeira delas utiliza o mRNA convencional ou não replicante, que permite que o próprio hospedeiro (no caso as células humanas) produza a molécula de interesse. A molécula de mRNA é sintetizada in vitro sem modificações. Quando administrada in vivo, simula uma infecção viral, o que permite avaliar o papel da inflamação induzida na montagem de uma resposta contra os tumores, embora tal reação possa reduzir a produção do antígeno alvo.

 

Outra abordagem, utiliza a mesma tecnologia empregada nos imunizantes da Pfizer e Moderna contra a covid-19, que aplica moléculas de mRNA não replicantes com modificações na sua composição de forma a evitar uma inflamação exacerbada das células. “A estratégia evita que o sistema imune reconheça a vacina como uma molécula viral e ative uma forte resposta inflamatória, o que levaria à destruição das células que receberam o mRNA e reduziria a produção dos antígenos”, explica Silva.

 

A última estratégia utiliza o mRNA autorreplicativo. Conhecido na literatura por meio de estudos de vacinas experimentais contra HIV e Influenza, esse mRNA codifica enzimas que permitem sua replicação dentro das células. “Isso aumenta a quantidade de mRNA e dos antígenos codificados nas células que recebem o imunizante, potencializando assim as respostas do sistema imune”, detalha a pesquisadora.

 

Eficácia em qualquer versão – Mesmo com características distintas, todas as vacinas alcançaram 100% de eficácia na regressão dos tumores quando utilizada uma dose única em tumores com estágio precoce de desenvolvimento, implantados nos animais. As vacinas foram introduzidas em modelos de camundongos em que as células tumorais foram implantadas em diferentes partes do corpo, incluindo vagina e língua, para simular tumores do trato genital, cabeça e pescoço. Uma diferença observada entre as vacinas testadas foi o melhor desempenho das vacinas autorreplicantes e a não replicante sem modificações nos tumores implantados na vagina e na língua.

 

Outro ponto importante demonstrado no estudo foi a indução de memória imunológica, o que impediu o crescimento de novos tumores em animais previamente tratados e curados com as vacinas. “Eles receberam uma carga dez vezes maior de tumores e continuaram protegidos — sem precisar de uma segunda dose. É diferente de uma quimioterapia em outras vacinas terapêuticas nas quais o reaparecimento do tumor é frequente”.

 

Além disso, as vacinas não produziram efeitos adversos pois a eliminação dos tumores foi obtida com uma quantidade muito pequena do imunizante. “Isso foi possível porque os imunizantes foram capazes de induzir a proliferação de células T CD8+, que identificam e eliminam as células infectadas pelo HPV-16 sem a necessidade de produção de anticorpos.

 

Quanto mais cedo, melhor – A regressão de 100% dos tumores foi observada quando os animais foram vacinados no terceiro dia após a introdução das células. Quanto mais cedo as vacinas forem aplicadas, melhor a eficácia. “Quando tratamos os animais em um modelo mais avançado da doença, quando os tumores mediam 9 milímetros quadrados, a eficácia da vacina foi de 80%, superior à eficácia de outras estratégias de vacina baseada em DNA plasmidial ou proteína recombinante, codificando o mesmo antígeno e testadas nas mesmas condições”, explica a pesquisadora.

 

“Vale destacar que o tumor cresce muito rápido nos animais, diferentemente do que ocorre com humanos. É difícil um camundongo sobreviver mais de 30 dias com a doença. Testamos um modelo em que os tumores desenvolvem com mais velocidade, levando os animais a óbito em até 12 dias. E a proteção das vacinas variou entre 60 e 100%”, finaliza.

 

Por Gabriel Martino | Acadêmica Agência de Comunicação