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Cientistas explicam a origem do surto de febre amarela em São Paulo

Pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas da USP confirma que a epidemia de 2017 e 2018 foi silvestre – o vírus não estava circulando na cidade – e descreve a rota de dispersão do vírus, abrindo caminho para uma melhor intervenção em futuros surtos.


04/02/2020

 

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) fizeram um raio X do surto de febre amarela que ocorreu no final de 2017 e início de 2018 na Grande São Paulo. Publicado na revista Scientific Reports, o artigo determina as rotas de dispersão do vírus e serve para preparar a cidade contra novos surtos. Além disso, o estudo comprovou que a epidemia foi silvestre – isto é, que foi provocada por um vetor que circula apenas em áreas rurais. A pesquisa teve colaboradores da Faculdade de Medicina da USP e do Hospital Emílio Ribas, além de pesquisadores da República Tcheca e da Austrália.

 

Segundo o pesquisador Marielton dos Passos Cunha, do ICB-USP, primeiro autor do artigo, os casos isolados de febre amarela que ocorreram na cidade são explicados por indivíduos que estiveram em regiões rurais, foram infectados e voltaram à área urbana. O grupo sequenciou o genoma de 36 isolados virais de pacientes que morreram em decorrência da febre amarela e constatou que as mortes foram causadas por três variantes genéticas do vírus, sendo 34 de uma mesma linhagem, que veio de Minas Gerais e foi responsável pela maior parte dos casos no surto.

 

As outras duas introduções do vírus ocorreram por meio de pacientes que viajaram para outros estados e tiveram contato com área de mata. Utilizando estratégias computacionais para traçar a origem da dispersão do vírus, o grupo conseguiu determinar que essas duas linhagens vieram de um paciente que viajou para o Espírito Santo e outro que viajou para o Rio de Janeiro, onde foram infectados.

 

“Os pacientes que se infectaram são principalmente pessoas não vacinadas que vivem em áreas periurbanas [fronteira com áreas rurais] ou que tiveram contato com área de mata. Não houve caso de transmissão urbana envolvendo vetores urbanos, como o Aedes aegypti”, diz Cunha. Como o pico do surto foi no final de janeiro – diferente de dengue ou chikungunya, cujos surtos ocorrem nos meses de março, abril e maio –, entende-se que o vetor do surto de febre amarela é diferente.

 

A pesquisa também descreve o comportamento do vírus nos tecidos. Ao analisar amostras do coração, pulmão, cérebro, rim, baço, pâncreas e fígado dos pacientes, os pesquisadores constataram que o vírus estava presente em todos os órgãos e que os mais afetados eram o fígado e o rim.

 

O conhecimento das rotas de dispersão do vírus abre caminho para o desenvolvimento de uma estratégia de bloqueio mais efetiva em caso de novos surtos. Em relação à presença do vírus em diferentes órgãos, segundo o pesquisador, esse resultado ajudou na compreensão dos mecanismos de replicação viral no hospedeiro humano. No futuro, estratégias terapêuticas poderão ser pensadas considerando essa característica, o que poderia ajudar a estabilizar a situação dos pacientes. O quadro hemorrágico, que pode evoluir para a morte, atinge cerca de 5 a 10% dos pacientes infectados – a maioria é assintomática.

 

Nos próximos passos da pesquisa, o grupo busca avaliar como o vírus se espalha dentro do corpo humano e quais são os mecanismos que levam ao óbito. Para isso, os pesquisadores estão realizando mais sequenciamentos do vírus e estudando a genética dos pacientes, para verificar se há algum marcador genético que facilite a compreensão desse desfecho.

 

Por: Aline Tavares
Acadêmica Agência de Comunicação