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Assim como a febre, hipotermia é defesa natural do organismo durante infecção

Pesquisas do Instituto de Ciências Biomédicas da USP demonstraram que a hipotermia durante a sepse é uma resposta de tolerância ao patógeno e que, em certos casos, pode ser benéfica ao paciente.

 

Um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) propôs uma nova forma de pensar na sepse, inflamação sistêmica potencialmente fatal que pode ocorrer em decorrência de infecções. O artigo, publicado recentemente na revista Trends Endocrinol Metab, aborda a existência de duas estratégias de defesa contra infecções que são opostas, porém, complementares. Em uma dessas estratégias, a febre nos ajuda a eliminar patógenos (resistência); na outra, uma redução na temperatura corpórea, denominada hipotermia, nos ajuda a tolerar os danos causados pelos microrganismos (tolerância). É como se houvesse um yin-yang na defesa contra patógenos. Em estudos realizados com pacientes sépticos no Hospital Universitário da USP, foi observado que ambas são resposta naturais, transitórias e autolimitantes do corpo – ou seja, assim como a febre, a hipotermia também é regulada e coordenada pelo sistema nervoso central.

Alexandre Steiner, docente responsável pela pesquisa, estuda o tema há quase 20 anos e afirma que toda resposta imune de ataque tem um dano colateral. “Se o custo desse dano colateral é muito alto, o organismo acaba optando por tolerar temporariamente o patógeno com o auxílio da hipotermia, enquanto cria condições para voltar a combatê-lo com o auxílio da febre”. Por esse motivo, os pacientes analisados apresentaram variações de temperatura, mas geralmente de forma regulada. Em humanos, a febre costuma ser limitada a 39 ou 39,5ºC, e a hipotermia se estabiliza entre 34 e 35ºC. O paciente volta à temperatura ‘normal’ sozinho.

O conceito de valores “normais” também foi debatido durante os estudos. Segundo Steiner, no caso de pacientes com infecção, estamos lidando com “novos normais” – novos valores de referência de temperatura que o indivíduo infectado precisa para lidar com mudanças no funcionamento do seu organismo. Em outras palavras, manter a temperatura a 36,5ºC não é normal para um indivíduo infectado; o “novo normal” é ter febre inicialmente e, se a condição se agravar, hipotermia.

Uma série de testes realizada pelo grupo em ratos e camundongos demonstrou que, quando a infecção era gravíssima e havia desenvolvimento de hipotermia, o aquecimento forçado aumentava a mortalidade. Por outro lado, se a infecção é menos grave e há febre, existem evidências de que o resfriamento pode aumentar a mortalidade. “É um equívoco achar que a eliminação da febre ou da hipotermia melhora o quadro infeccioso, mesmo que dê a falsa impressão de um retorno à normalidade”, explica o pesquisador.

O caráter regulador da febre se apresenta no próprio comportamento do indivíduo – quando estamos com febre, sentimos frio e procuramos um ambiente mais quente. Em outros testes, quando os ratos vão desenvolver hipotermia durante a infecção, eles buscam um ambiente frio para ajudar a diminuir a temperatura. “Como a febre, a hipotermia nesses casos parece ser um processo ativo do sistema nervoso central, que faz com que a temperatura caia naturalmente”.

Para Steiner, o trabalho representa um importante ganho conceitual, que aborda o sistema imune como uma parte inseparável dos sistemas fisiológicos e não como um sistema independente. Além disso, muda a forma de entender as doenças infecciosas graves, propondo uma visão individualizada para cada paciente. “Pacientes em situações diferentes poderão se beneficiar mais da febre (resistência) ou da hipotermia (tolerância), ou ainda de uma alternância entre um estado e outro. Se continuarmos a procurar terapias que funcionem para todos em um grupo heterogêneo de pacientes, nossas opções ficam muito limitadas”.

 

Aline Tavares | Acadêmica Agência de Comunicação